Relatório da ACN revela: graves violações da liberdade religiosa em 62 países

O número é perturbador: “dois terços da humanidade vive em países onde a liberdade religiosa não é plenamente garantida”. Se colocássemos em fila um por um dos homens, das mulheres e das crianças que são impedidos de rezar, externar a própria crença publicamente, ou que são até massacrados por causa de sua fé, teríamos diante de nós um exército infindável: mais de 5,4 bilhões de pessoas a quem é negado não um privilégio, mas um direito.
Relatório extenso
E a Fundação pontifícia internacional Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, sigla em inglês) reitera esse fato em cada página, em cada dado, em cada análise do novo relatório sobre a liberdade religiosa no mundo, apresentado nessa terça-feira, 21/10, no auditório do pontifício Instituto Patrístico Agostiniano de Roma. São 1.200 páginas - nunca assim tão numerosas desde que, há 25 anos, foi publicado pela primeira vez este estudo bienal. A extensão do documento demostra claramente como as coisas não estão indo bem. De fato, em um quarto de século, elas até mesmo pioraram.
Não apagar os holofotes
Isso foi confirmado pelos próprios palestrantes que, ao apresentarem o relatório, pediram que não fossem apagados os holofotes sobre um fenômeno sempre mais perigoso e talvez fora do controle.
Sandra Sarti, presidente da ACS Itália, Regina Lynch, presidente da ACN Internacional, e Alfredo Matovano, subsecretário da Presidência do Conselho de Ministros Italiano, moderados por Alessandro Gisotti, vice-diretor da mídia do Vaticano, expressaram a convicção compartilhada de que toda a comunidade internacional não pode mais evitar uma intervenção imediata. Sem desviar o olhar.
Atitude também encorajada pelo cardeal secretário de Estado Pietro Parolin, que em seu discurso de abertura alertou que é "dever dos governos e das comunidades abster-se de forçar alguém a violar suas convicções profundas ou de impedir que alguém as viva autenticamente".
Poucos progressos
Mas ao ler o Relatório — apresentado pela diretora editorial do documento, Marta Petrosillo — entende-se como tudo isso é sistematicamente desconsiderado. Antes de tudo, porque a pesquisa minuciosa, que analisou 196 nações no período de janeiro de 2023 a dezembro de 2024, “documenta graves violações em 62 do total. Desse, 24 são classificados como países de ‘perseguição’ e 38 como países de ‘discriminação’”.
Só duas nações – Cazaquistão e Sri Lanka – registraram melhorias em relação às edições anteriores do estudo. Na maioria dessas nações, a causa da repressão religiosa é resultado do autoritarismo: “Os governos recorrem a tecnologias de vigilância de massa, censura digital, legislações injustas e prendem arbitrariamente para atingir as comunidades religiosas independentes. O controle da fé se transformou em um instrumento de poder político”.
Nacionalismo religioso
A África e a Ásia também sofrem com o aumento do jihadismo e do nacionalismo religioso. Segundo o relatório, “em 15 países dos dois continentes, essas são causas principais da perseguição e, em outros 10, contribuem para a discriminação”. O epicentro da violência jihadista parece estar em toda a área de Sahel, onde centenas de milhares de pessoas encontram a morte e onde comunidades e cidades inteiras são deslocadas.
“O nacionalismo étcnico-religioso - acrescenta o relatório - alimenta, paralelamente, a repressão de minorias em algumas áreas da Ásia. Estamos diante, em alguns casos, de uma ‘perseguição híbrida’, uma combinação de leis discriminatórias e violência perpetrada por civis, mas encorajada pela retórica política”.
A causa das guerras
Os conflitos que estão ensanguentando o mundo, como aqueles na Ucrânia, no Mianmar e em Gaza, deram um impulso sem precedentes à violação da liberdade religiosa. “As guerras geraram um crise silenciosa de deslocamento. No Sahel, por exemplo, aldeias inteiras foram destruídas por milícias islâmicas. Em tudo isso, também se insere o crime organizado que emergiu como um novo agente de perseguição: grupos armados matam ou sequestram líderes religiosos e extorquem dinheiro das paróquias para exercitar o controle territorial”.
Europa e América do Norte também atacadas
Também na Europa e na América do Norte a liberdade religiosa é severa e constantemente atacada. Para se ter uma ideia sobre isso, basta observar os dados: “Em 2023, a França registrou quase mil ataques a igrejas. Na Grécia, foram verificados outros 600 atos de vandalismo. Números semelhantes foram registrados também na Espanha, na Itália e nos Estados Unidos”.
Ajuda à Igreja que Sofre, pela primeira vez, lançou uma petição global, afirmaram os organizadores, para que “os governos e as organizações internacionais garantam a proteção efetiva do artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reconhece, a todas as pessoas, o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”.