Pés a caminho: missão, vocação de todos
"Ide pelo mundo inteiro e pregai o Evangelho a toda criatura" (Mc 16, 15). Com esta indicação, Jesus deixava a seus discípulos o compromisso de ampliarem os horizontes daquilo que eles próprios haviam visto e experimentado. Por outro lado, o próprio Senhor se apresentou como “enviado para levar aos pobres o evangelho” (Lc 4, 18). Durante a própria vida do Mestre, foram enviados, dois a dois, para iniciar uma atividade que irá perdurar até que o Senhor retorne: a missão, enquanto anúncio e testemunho.
Assim, o anúncio do Reino de Deus e da pessoa de Jesus Cristo se tornaram uma ação essencial e irrenunciável da Igreja. Desde as primeiras gerações, um incontável número de homens e mulheres que nos precederam na fé tem se aplicado a levar o Evangelho a lugares distantes e desafiadores, através das mais variadas formas, com o intuito não apenas de cumprir uma ordem deixada, “mas como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete desejável” (Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial das Missões).
Ao longo da história a Igreja lançou mão de muitas iniciativas missionárias. A partir do século XIII, com o surgimento das ordens mendicantes (como os franciscanos e dominicanos), grande parte dessas iniciativas ficou a cargo de congregações religiosas. O nosso próprio país foi evangelizado inicialmente por várias ordens religiosas que por aqui se instalaram: franciscanos, jesuítas, beneditinos, carmelitas, entre outros. Como não recordar a grande atividade missionária realizada por São José de Anchieta e seus companheiros em várias partes do país?

Dia Mundial das Missões
De grande ardor missionário, o Papa Pio XI instituiu em 1927 o Dia Mundial das Missões, a ser celebrado no penúltimo domingo do mês de outubro. O objetivo proposto é de incentivar nas igrejas locais a reflexão sobre a missão e a cooperação através da oração e ofertas.
Este ano, o 97º Dia Mundial das Missões será celebrado no dia 22 de outubro e tem como tema “Corações ardentes, pés ao caminho” (Cf. Lc 24, 13-15), inspirado no caminho percorrido pelos discípulos de Emaús. Desde 1963 os Papas escrevem mensagens para motivar o Dia das Missões: “Celebrar o Dia Mundial das Missões significa também reiterar que a oração, a reflexão e a ajuda material das vossas ofertas são oportunidades para participar ativamente na missão de Jesus na sua Igreja” (Francisco, Mensagem para o Dia Mundial das Missões, 2020).
No Brasil, durante o ano missionário ocorrido em 1972, tem-se o início, não apenas a celebração de um dia, mas um mês das missões, como forma de despertar a consciência de todos para a missão. Por isso, desde então é proposta uma Campanha Missionária com um tema próprio no país, organizada pelas Pontifícias Obras Missionárias (POM).
Para este ano, o tema da Campanha Missionária é “Ide! Da Igreja local aos confins do mundo”, que aborda a relação entre Igreja local (Diocese, por exemplo) e a missão ad gentes. É a partir de uma vida cristã autêntica num local que o missionário é capaz de avançar para outros lugares.
Para a irmã Regina da Costa Pedro, diretora nacional das POM, o mês missionário reforça a experiência de identidade missionária da Igreja. “A Campanha Missionária deste ano põe em evidência que cada Igreja local tem o compromisso de evangelizar toda pessoa e todos os povos até os confins da terra. O mês missionário nos recorda que todos podem colaborar concretamente com o movimento missionário através da oração e da ação, com ofertas de dinheiro e de sofrimento, com o próprio testemunho”.
Coleta Missionária
Todos os anos, no Dia Mundial das Missões é realizada uma coleta em prol das obras missionárias. Estas doações, realizadas no mundo inteiro, são enviadas para um fundo universal de caridade. De acordo com os dados divulgados pelas POM, em 2022 esta coleta ajudou a manter 1118 dioceses pobres que se encontram em regiões consideradas de missão.
Até o final do ano, cada comunidade e paróquia deve enviar a sua Diocese as doações para as missões recebidas. A rede das 279 igrejas locais do Brasil, por sua vez, encaminha o total arrecadado para a direção nacional das Pontifícias Obras Missionárias. Do valor obtido no país inteiro, 80% são enviados à Congregação para Evangelização dos Povos, que faz circular um fundo universal de caridade, mantendo as 1118 dioceses nas periferias mais necessitadas do mundo.
Os 20% que ficam no Brasil mantêm os trabalhos das Pontifícias Obras Missionárias que são uma rede mundial de oração e caridade a serviço do Papa e da Missão nas Igrejas locais.
A Igreja e a Missão
Em nível mundial, a instituição que visa ser a voz da Igreja para a ação missionária são as Pontifícias Obras Missionárias, organismos oficiais da Igreja Católica, vinculados ao Dicastério para a Evangelização.
Sua origem remonta à Sociedade da Propagação da Fé fundada em Lyon em 1822 pela Beata Pauline Jaricot. Em 1922 o Papa Pio XI reconheceu a obra como pontifícia e sua sede passou a ser em Roma.
As POM são compostas por quatro obras missionárias: a Pontifícia Obra Missionária para a Propagação da Fé, Pontifícia Obra da Infância e Adolescência Missionária, Pontifícia Obra Missionária de São Pedro Apóstolo e a Pontifícia União Missionária. Cada uma delas possui estatutos e objetivos particulares, mas se apoiam no tripé oração, sacrifício e ofertas.

De acordo com os objetivos propostos, as POM “tem a finalidade principal de despertar e aprofundar a consciência missionária do Povo de Deus; conscientizar os cristãos sobre a vida e necessidades da Missão universal; estimular as Igrejas a rezarem umas pelas outras e serem solidárias na evangelização do mundo. As POM mantêm vivo e circulante, nas comunidades eclesiais, o espírito de solidariedade e de universalismo missionário”.
O ano de 2022 foi celebrativo para a obra: foram comemorados os 200 anos da Pontifícia Obra da Propagação da Fé, 100 anos de elevação do caráter pontifício das Obras e 400 anos da Congregação para a Evangelização dos Povos.
Missão na Diocese de Campo Limpo
A Diocese de Campo Limpo, antes mesmo de ser uma Diocese, foi território de missão. Embu das Artes, por exemplo, foi território de missão dos padres Jesuítas alguns séculos atrás.
Como Diocese, Campo Limpo possui o COMIDI (Conselho Missionário Diocesano), um organismo voltado para a realização de missões ad extra (para fora) e ad intra (para dentro). Nos quase 35 anos de história, a Diocese realizou diversas missões em outros estados contando com a participação de leigos e leigas, religiosos, padres e seminaristas.
Sheyla Leite, coordenadora do COMIDI, recorda afetuosamente de detalhes que fazem a diferença na missão e compensam todo o esforço e doação dos missionários: “No Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, uma realidade de grande pobreza, o tempo seco e uma casa bem distante da outra. Após andar muito até uma casa que acreditávamos ser a última, perguntamos a um morador se naquela estrada de chão ainda havia mais alguma família. Ele disse sim, mas é muito distante e o sol do meio dia estava bem difícil. Depois de dialogar juntas, decidimos ir, e andamos mais de uma hora até chegarmos a uma casa feita de taipa e barro, simples, ao lado uma pequena plantação e dentro da casa um senhor e uma senhora. Pedimos água e saiu de um filtro uma água marrom que bebemos muito gratos. Rezamos, conversamos e a senhora chorando disse ‘Jesus veio nos visitar através de vocês hoje, sempre ouvimos dizer de missionários em nossa região, mas nunca vieram aqui, a nossa casa é longe e a última’.

Sheyla completa seu relato dizendo: “são experiências que me motivam a continuar contribuindo com a missão da igreja através do COMIDI”.
Missão é para todos, não apenas para alguns, afinal a missão está na essência da Igreja. Seja como testemunha nos ambientes cotidianos, seja como um enviado para territórios distantes, todos temos condições de oferecer nossa colaboração no anúncio do Evangelho.
Para Sheyla Leite, a primeira impressão é que não tinha condições de ser missionária: “eu, que por ser de uma realidade de periferia, achava que não tinha nada a oferecer para a missão, compreendi que ninguém é tão pobre que não possa doar nada para testemunhar e anunciar o amor de Deus”.
Para aqueles que sentem o desejo de realizar missões ad gentes, ou seja, além-fronteiras, é necessária a realização de uma preparação especial. A primeira condição é ter uma vida comunitária sadia onde já se vive, em sua paróquia ou Diocese. Lembremos que o missionário é sempre um enviado, não em nome próprio, mas enviado de Jesus Cristo por meio da Igreja. Outro ponto importante são os treinamentos adequados para compreender melhor os locais e realidades onde a pessoa será enviada, normalmente completamente diferentes.
Também no próprio território, em caráter ad intra, muitas foram as iniciativas missionárias: missões populares paroquiais, missões de seminaristas, Comunidades Eclesiais Missionárias e jovens em paróquias. No ano 2000, celebrando o novo milênio, houve a grande missão “Desperta Campo Limpo”. Em seguida, ficou conhecido também o PRODINE (Projeto Diocesano de Nova Evangelização), que contava com uma missão permanente no território paroquial, atendendo ao apelo do Papa São João Paulo II por uma nova evangelização. Muitas foram as paróquias que aderiram ao projeto, de forma que os paroquianos se viam como missionários em sua própria paróquia.
As maneiras de se colocar em missão são variadas e de acordo com o que o Espírito Santo suscita, Ele que é o grande protagonista da missão. De nossa parte, é necessário não nos acostumarmos a uma posição de espectadores ou mesmo de “consumidores” do sagrado. “Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos ‘discípulos’ e ‘missionários’, mas sempre que somos ‘discípulos missionários (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 120)
Caso tenha interesse, você pode procurar o COMIDI (Conselho Missionário Diocesano) e participar das atividades missionárias, formações e mesmo missões propostas em nossa Diocese. O contato é: 11 94752-9491 (WhastApp)
Os Patronos das Missões
Para inspirar missionários e interceder pela ação evangelizadora, a Igreja proclamou dois santos como patronos das missões: São Francisco Xavier e Santa Terezinha do Menino Jesus.
São Francisco Xavier, nascido em 1506 na Espanha, unido à Santo Inácio de Loyola e outros companheiros, fundaram a Companhia de Jesus (Jesuítas). De espírito abnegado e missionário, Xavier percorreu grandes distâncias e, sobretudo, se aventurou a adentrar nações cuja pessoa de Jesus Cristo ainda não era conhecida. Índia, Indonésia e Japão foram suas principais paradas durante os anos que encarou o desafio de evangelizar em culturas completamente diferentes daquelas que estava acostumado.
Escreveu muitas cartas e relatos das missões que realizava, manifestando sua preocupação pela falta de cristãos dispostos em evangelizar os povos da Índia: “Muitos deixam de se tornar cristãos nestas terras, por não haver quem se ocupe de tão santas obras. Muitas vezes me vem ao pensamento ir aos colégios da Europa, levantando a voz como homem que perdeu o juízo e, principalmente, à Universidade de Paris, falando na (Universidade de) Sorbonne (na França) aos que têm mais letras que vontade para se disporem a frutificar com elas”.
Pelas muitas distâncias percorridas e desafios encarados, São Francisco Xavier recebeu a alcunha de “Apóstolo do Oriente”, além de ser considerado um dos maiores missionários após Paulo Apóstolo. Não deixa de ser impressionante o conjunto de sua obra: as distâncias percorridas, a quantidade estimada de pessoas que foram alcançadas pelo seu testemunho, dadas as dificuldades da época e as barreiras culturais.
Devido a isto, o Papa Pio XI, em 14 de dezembro de 1927 o proclamou padroeiro universal das missões, juntamente com Teresinha do Menino Jesus.
Se, por um lado, São Francisco Xavier possui uma vasta obra missionária e é proclamado patrono das missões, como a humilde carmelita Terezinha, que morreu aos vinte e quatro anos e que nunca saiu de seu Carmelo, foi colocada em pé de igualdade com Francisco Xavier, sendo também ela patrona das missões?
Uma primeira resposta pode ser considerada a partir do Papa Francisco: “Com efeito os missionários, dos quais Teresa é padroeira, não são apenas aqueles que vão longe, aprendem novas línguas, fazem boas obras e são bons anunciadores; não, missionário é também todo aquele que vive, onde está, como instrumento do amor de Deus; que faz tudo para que, através do seu testemunho, da sua oração, da sua intercessão, Jesus passe”. (Audiência Geral, em 7 de junho de 2023).
De fato, o ser missionário não se faz com as pernas apenas, mas com o coração. Um coração que arde de amor a Cristo e que responde ao chamado: Ide!
Santa Terezinha sempre foi desejosa de realizar missões a locais longínquos, mas devido à sua saúde frágil isso nunca foi possível. Em seu diário há o relato de que seu desejo era ser missionária não apenas alguns anos, mas pelo resto de sua vida, até o fim do mundo: “Gostaria de viajar por toda a terra para pregar o vosso Nome e plantar a vossa gloriosa cruz em solo infiel. Mas... uma missão por si só não seria suficiente para mim, eu gostaria de pregar o Evangelho em todos os cinco continentes simultaneamente e até mesmo nas ilhas mais remotas. Eu seria missionária, não por alguns anos apenas, mas desde o início da criação até a consumação dos tempos".
Um primeiro destino pretendido por Santa Terezinha era o Vietnã. Sem que sua saúde oferecesse condições, Santa Teresa ofereceu suas orações e seus próprios sofrimentos por missionários de todo o mundo.
Foi canonizada pelo Papa Pio XI em 1925 e proclamada doutora da Igreja pelo Papa São João Paulo II em 1997. Sua canonização enfatiza o importante papel que todos nós compartilhamos como missionários por meio da oração e do sacrifício. Mais ainda: sua vida recorda como o anúncio do Evangelho não deve ser confundido com uma propaganda forçosa artificial: “este é o zelo apostólico que, lembremo-nos sempre, nunca funciona por proselitismo ou constrangimento, mas por atração: não se torna cristão porque se é forçado por alguém, mas porque foi tocado pelo amor. Com tantos meios, métodos e estruturas disponíveis, que às vezes desviam o foco do essencial, a Igreja precisa de corações como o de Teresa, corações que atraiam as pessoas para amar e aproximem as pessoas de Deus. (Papa Francisco, Audiência Geral, em 7 de junho de 2023).