Retiro do Clero 2025: mapa da construção do discípulo

Entre os dias 11 e 14 de agosto, o clero da Diocese de Campo Limpo participou de seu retiro anual no Mosteiro de Itaici, em Indaiatuba. Dom José Otácio Oliveira Guedes, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, conduziu as reflexões com o tema central “O mapa da Construção do Discípulo”, baseado no Evangelho de Marcos e na visão do Cardeal Carlo Maria Martini.
Dom José Otácio, que completou um ano de ordenação episcopal um dia antes do início do retiro, é doutor em Teologia Bíblica pela PUC-Rio e mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Sua formação na área bíblica foi de grande importância nas pregações, que lançaram mão de textos do Antigo e Novo Testamento, articulados com desafios pastorais contemporâneos.
Durante os quatro dias de retiro, os padres puderam aprofundar cinco aspectos essenciais da vida sacerdotal: o chamado vocacional, o encantamento, a necessidade de desconstrução, o seguimento de Jesus com suas exigências, e o dinamismo pascal da existência cristã.

Chamado e vocação: "Que procurais?"
Na primeira pregação, Dom José Otácio desenvolveu o tema das etapas do discípulado baseado na intuição do Cardeal Carlo Maria Martini, que dizia que o Evangelho de Marcos foi escrito para catecúmenos com duas perguntas básicas: “Quem é Jesus?” e “Como se tornar um discípulo dele?”.
O pregador apresentou figuras bíblicas vocacionadas, começando com Abraão, destacando o abandono de suas seguranças: "Sai da tua terra, da tua parentela, do teu país, do teu povo, e vai para a terra que eu vou te mostrar". Em seguida, abordou Moisés, que se sentiu aquém da missão recebida, e Gedeão, que se considerava o menor de sua família, mas recebeu a vitória com apenas 300 homens contra os madianitas.
Também mencionou os profetas Jeremias, que se desculpava dizendo "eu não sei falar, sou apenas um menino", e Isaías, que se apresentou após ter os lábios purificados por Deus.
A promessa "Eu estarei contigo" foi destacada como constante a todos os vocacionados, recordando a todos os padres que a capacidade de cumprir a missão vem da graça de Deus, não somente das próprias forças pessoais.
Assim, os personagens bíblicos permitiram ao pregador apresentar três movimentos básicos da vocação: o deslocamento (sair e ir), o sentir-se aquém (reconhecimento que a missão é maior que as próprias forças) e o ser para os outros, inspirado no fundador do movimento do Prado, o beato Antônio Chevrier: "Nós devemos ser pão para os outros".
Dom José apresentou uma pergunta fundamental para meditação:"Por que ainda estou aqui? Por que eu permaneço?".
Reencantamento: "Quem é esse que nós seguimos?"
A segunda pregação focou no dinamismo entre o chamado e a resposta vocacional, desenvolvendo o tema do encantamento que pode se desgastar com a rotina. Dom José Otácio partiu da narrativa do Evangelho de São Marcos sobre os primeiros discípulos que ficaram extasiados com os ensinamentos e o poder de Jesus sobre os espíritos do mal. A pergunta dos discípulos durante a tempestade no mar foi apresentada como o “estupor que a gente não pode perder”.
O pregador alertou que, assim como nos relacionamentos, a amizade com Jesus precisa ser constantemente alimentada: "Como toda amizade, ela precisa de ser alimentada. Como aqueles caminhos do roçado que a gente fazia no meio da mata, né? Se para de passar, o mato cresce e o caminho desaparece". Novamente apresentou uma pergunta para reflexão pessoal: "Como é que está meu encantamento?".
Citando Gálatas 3,1, Dom José Otácio usou a imagem de Paulo: “Quem vos enfeitiçou? E Jesus Cristo crucificado não tinha sido descrito diante de vossos olhos?” O termo grego “prográfico” (desenhado) foi destacado: “Eu não desenhei Jesus diante de vocês? [...] Volte àquele desenho, volte àquela imagem desenhada diante de vocês”.
Abordou três dimensões do reencantamento: a dimensão física, onde mencionou questões de cuidado da saúde: "Cuidar de vós mesmos por causa do rebanho". Na dimensão emocional, enfatizou o autoconhecimento: "Eu sou o dono das minhas emoções? Ou sou levado, carregado?". Na dimensão espiritual, destacou a celebração diária da Eucaristia e a preparação das homilias.
Desconstrução: "Eu estou me dando conta"
Na manhã da quarta-feira, o bispo apresentou a necessidade de reavaliação das próprias condições pessoais. Usando o exemplo de Pedro, que precisou reconhecer suas limitações sobre quem era o Messias e sobre a universalidade da salvação (episódio de Cornélio), Dom José Otácio propôs a frase-chave: "Eu estou me dando conta" (Atos 10,34).
Seguimento e fragilidades: "Pascalizar as feridas"
A quarta pregação abordou as exigências do seguimento de Jesus descritas em Marcos 8,34: negar-se a si mesmo, tomar a cruz e seguir. Dom José Otácio desenvolveu o conceito de “pascalizar as fragilidades”, explicando como transformar limitações pessoais em força.
A expressão "Não desisto" foi apresentada como atitude a ser assumida, rejeitando tanto o pelagianismo (contar apenas com as próprias forças) quanto a resignação diante das dificuldades.
Dinamismo pascal: vida marcada pela Ressurreição
A pregação final abordou o texto da Ressurreição (Marcos 16) e a reflexão paulina sobre o dinamismo pascal da vida (Filipenses 3). Dom José Otácio destacou o "primado da graça", uma das sete prioridades pastorais estabelecidas por São João Paulo II.
Orientações práticas para o ministério
Dom José Otácio concluiu suas colocações com conselhos práticos solicitados por alguns padres, dividindo suas orientações entre vida espiritual e ação pastoral. Para a espiritualidade, recomendou a devoção filial à Virgem Maria, além da adoração ao Santíssimo Sacramento e a oração do terço.
Na dimensão pastoral, apresentou duas prioridades: a preparação cuidadosa das homilias e as visitas às pessoas, especialmente nas periferias. "Prepare bem a homilia, não improvise não", alertou o pregador, explicando que "o que toca o teu coração é aquilo que irá tocar o coração do irmão.

Presença do bispo diocesano e fraternidade sacerdotal
Dom Valdir José de Castro, ssp, bispo diocesano de Campo Limpo, acompanhou integralmente todo o retiro, participando atentamente de cada momento de oração e reflexão. Ao final do retiro, Dom Valdir manifestou sua gratidão pela condução de Dom José Otácio, reconhecendo a profundidade das reflexões oferecidas aos sacerdotes diocesanos.
O bispo diocesano destacou também a dedicação do presbitério, que soube aproveitar os dias de recolhimento apesar das inúmeras responsabilidades pastorais que enfrentam cotidianamente. Para Dom Valdir, momentos como este são essenciais para o fortalecimento espiritual dos padres e para o crescimento dos vínculos de comunhão fraterna entre os membros do presbitério.
Entre os momentos de pregação, oração pessoal e silêncio contemplativo, os padres puderam partilhar experiências e fortalecer laços de amizade, especialmente durante os momentos de refeição.