Paolo Ruffini
Há algo de profundamente comunicativo no modo como Paolo Ruffini escuta antes de responder. Prefeito do Dicastério para a Comunicação e primeiro leigo a ocupar o cargo, ele traz consigo o peso leve das palavras que escolheram a verdade como norte. Formado no jornalismo que precisa sobreviver ao mundo real, com suas tensões, urgências e desacertos, Ruffini aprendeu cedo que diálogo não é concessão, mas vocação. Durante sua passagem pelo Rio de Janeiro, concedeu esta entrevista em que fala sobre a comunicação “desarmada e desarmante”, sobre a necessidade de construir pontes em meio à polarização e sobre a força missionária das comunidades locais. Entre lembranças pessoais, críticas construtivas e reflexões espirituais, suas palavras desenham um mapa possível para comunicar a fé em tempos tão ruidosos.

Paolo Ruffini, como primeiro leigo a chefiar um Dicastério, a sua nomeação é um sinal histórico da corresponsabilidade de todos os batizados na missão da Igreja. Que mensagem a sua presença na Cúria Romana envia aos comunicadores leigos que atuam nas periferias de grandes cidades como São Paulo, muitas vezes com poucos recursos, mas com muita dedicação?
Bem, eu penso que a minha nomeação em Roma, na verdade, seguiu nomeações semelhantes que já aconteciam em tantas, tantíssimas dioceses do mundo, onde os leigos foram chamados, antes mesmo da Cúria Romana, a assumir algumas funções, como a da comunicação. Creio que isso nos mostra que não temos álibi: somos todos batizados, chamados a essa corresponsabilidade na Igreja. Uma corresponsabilidade de funções, de tarefas, mas também a corresponsabilidade pela beleza da comunhão.
A comunhão de todos os batizados é o que faz da Igreja um só corpo, o que nos torna membros uns dos outros.
A comunhão de todos os batizados é o que faz da Igreja um só corpo, o que nos torna membros uns dos outros. E nós, leigos, não podemos pensar que a Igreja seja apenas dos clérigos. Assim como também não devemos imaginar que seja apenas dos leigos. Existem muitos carismas, muitos chamados que cada um de nós recebe, e a beleza está em recuperar essa unidade.
No que diz respeito à comunicação, penso que também aí devemos ter cuidado para não imaginar que a presença de um leigo se justifique apenas porque ele é mais competente profissionalmente. Pode ser, pode não ser. Um sacerdote também pode ser competente, porque estudou comunicação, porque tem dons específicos. Portanto, tanto sacerdotes quanto leigos chamados a trabalhar na comunicação devem usar todos os meios do nosso tempo, ser profissionais, mas nunca esquecer a lição de Jesus: o que nos faz comunicar é a comunhão que nos une, é o amar-se uns aos outros. É por isso que seremos reconhecidos.
Quando comunicamos a Igreja, devemos fazer com que as pessoas a quem falamos vejam, quase possam tocar com as mãos, a beleza da Igreja no seu trabalho concreto, nos territórios. Pode ser em São Paulo, pode ser em qualquer lugar. É ali que podemos tocar o coração das pessoas, porque ali se vê que Jesus está verdadeiramente conosco, no meio de nós, e trabalha conosco na comunhão.
A comunicação da Igreja nunca será marketing, nunca será propaganda política. A comunicação da Igreja é comunhão.
O senhor tem uma vasta experiência no jornalismo secular antes de servir diretamente a Igreja. Como é que essa vivência no "mundo" moldou a sua abordagem à comunicação da fé?
Eu trabalhei durante muitos anos em meios de comunicação não católicos, seculares, é verdade, e em certos momentos eu era quase o único católico ali. Mesmo assim, era amado e respeitado pelo modo como trabalhava, e isso me ensinou que nunca devemos ter medo do diálogo nem do confronto com os outros, mesmo com aqueles que nos parecem diferentes. No fim, somos todos filhos de Deus. Essa experiência me ensinou que devemos sempre encontrar um modo de dialogar e de falar com todos.
Às vezes, a comunicação da Igreja corre o risco de falar apenas para um círculo restrito, aqueles que vão à missa ou que frequentam a paróquia. Talvez usemos palavras que outros não entendem. Isso é um erro, porque nos transforma em um grupo fechado.
Às vezes, a comunicação da Igreja corre o risco de falar apenas para um círculo restrito, aqueles que vão à missa ou que frequentam a paróquia. Talvez usemos palavras que outros não entendem. Isso é um erro, porque nos transforma em um grupo fechado.
Paolo Ruffini
Ter trabalhado na mídia não católica me ensinou que isso é possível e que há uma grande expectativa por isso. Vivemos um tempo em que, de certa forma, perdemos a bússola, o sentido das coisas. Há necessidade de alguém que tente oferecer de novo um sentido, que organize as coisas de um modo compreensível. E a Igreja pode fazer isso, não porque depende de nós, mas porque está fundamentada em algo que nos transcende: a nossa fé e o ensinamento de Jesus.
Ainda hoje, estou nos grupos de WhatsApp dos meus colegas não crentes. Naturalmente, discutimos o que acontece na Itália e no mundo, e percebo quanta necessidade eles têm de um ponto de vista católico. Muitas vezes me dizem: “Ainda bem que vocês existem; ainda bem que vocês estão aí pela paz, pela justiça social.” Somos realmente percebidos como sal e fermento. Às vezes, somos nós que esquecemos disso e pensamos que devemos nos diluir.
Não! Estar no mundo não é diluir-se, mas ser sal e fermento sem medo do mundo. É isso. Acredito que aqueles anos me ensinaram o diálogo, o confronto, a escuta e a importância de uma linguagem compreensível para todos.
O senhor fala frequentemente de uma comunicação "desarmada e desarmante". Do seu ponto de vista, como é que o veneno da polarização ataca a própria natureza da comunicação cristã?
Eu falo disso porque o Papa Francisco falou primeiro sobre “desarmar as palavras”. E depois o Papa Leão disse: “desarmado e desarmante”. Falo disso porque todos nós sentimos o quanto o nosso tempo constrói, quase sem parar, uma comunicação baseada no mecanismo amigo–inimigo. Como se a nossa identidade se definisse pela negação do outro, em vez de se definir pelo que somos.
Como se precisássemos de um inimigo para matar, para cancelar, para odiar, a fim de dizer: “Eis o que eu sou, eu sou diferente.” Esse é um mal do nosso tempo, talvez de todos os tempos: a divisão. A divisão nasce do pecado original: Adão e Eva que se separam de Deus e tentam se fazer medida de todas as coisas. Essa tentação é recorrente na história, e nós devemos trabalhar para nos desarmar e, ao estarmos desarmados, desarmar também os outros.
Eu creio que somente o amor pode mudar as coisas. Tudo o que não vem do amor não transforma; ao contrário, paralisa. Vivemos como se o mal já tivesse vencido e, por isso, nos resignamos aos paradigmas do mal: o paradigma do ódio, o paradigma de Caim, como diz o Papa Francisco. No entanto, sabemos que o amor tem um poder transformador imenso, e precisamos ter a coragem de acreditar nisso.
Não é fácil, sobretudo quando alguém nos faz mal. É difícil amar os próprios inimigos? Sim, é muito difícil. É fácil dizê-lo, mas vivê-lo é difícil. Porém, repetir isso a nós mesmos e rezar para ter a força de fazê-lo nos ajuda a encontrá-la. E podemos ver, pela própria história, que assim nós realmente podemos mudar o mundo.

O Dicastério para a Comunicação foi criado para unificar e dar uma nova direção à comunicação da Santa Sé. Olhando para os anos desde a sua criação, qual considera ser a maior conquista da reforma até agora e qual é o maior desafio que ainda se avizinha?
É sempre difícil fazer um balanço, e corre-se o risco de ser benevolente consigo mesmo. Então, tentarei fazer o contrário. Vejo tantas coisas que ainda poderíamos fazer e que não conseguimos realizar, sobretudo no fortalecimento de uma comunhão maior entre Roma e as Igrejas locais. Penso que o futuro da comunicação vaticana será grande, será um verdadeiro serviço à Igreja universal, quanto mais estiver a serviço de todas as Igrejas locais, de todas as dioceses. Um instrumento para fazer com que o nosso relato da história e da realidade, e não apenas o relato de nós mesmos, o relato do mundo através dos olhos do Evangelho, consiga ser um dom para todos, em um mundo que precisa de uma comunicação transparente, verdadeira, confiável, fundada no amor e na busca da verdade, sempre tão exigente.
Nós podemos fazer isso. Se vemos quantos somos, espalhados pelo território, trabalhando com comunicação, por que não nos colocamos em rede? Por que não construímos um sistema de comunicação que, realmente em rede, seria maior do que qualquer outro no mundo? Por que não temos a coragem de fazê-lo? Eis: eu me esforço para pensar que estamos caminhando nessa direção.
Se olho para trás, para os passos dados nesses sete anos, digo: fizemos um bom caminho. Mas, se olho para frente, digo: ainda temos muito a fazer. O que devemos fazer é tecer comunhão com todos os meios de que dispomos; fazer com que a nossa comunhão seja um extraordinário meio de comunicação; e oferecer ao mundo um jornalismo fundado nisso, em um modo transparente de contar e de se contar. E não apenas o jornalismo, mas uma plataforma, talvez uma plataforma das plataformas, de todas as linguagens possíveis, que faça as pessoas se sentirem seguras, em um ambiente protegido, onde seja verdadeiramente possível compartilhar e não odiar.
Neste encontro de Comunicação aqui no Rio de Janeiro, qual a sua percepção sobre a comunicação da Igreja no Brasil?
Estou muito, muito confortado na minha fé e muito comovido ao ver como vocês caminham, como caminham na profissão de comunicadores e na comunhão entre vocês. Muito confirmado na fé pelo modo como rezam, muito confirmado na fé pelo modo como compartilham e pelo modo como usam os meios digitais, mas se encontram pessoalmente e constroem assim relações que sejam verdadeiramente humanas e fortes, duradouras, e com um senso forte da Igreja. Mesmo diante das dificuldades e das coisas tristes duras, erradas, que acontecem, como as que aconteceram nesses dias no Rio. E como vocês têm, porém, a força de esperar e de construir esperança. Dizia um escritor italiano, Ítalo Calvino: há dois modos de viver no inferno do nosso tempo, que às vezes nos parece o inferno, embora não o seja, porque o mundo é tão belo. Mas, digamos, há dois modos de viver quando o nosso tempo nos parece um inferno: um é adaptar-se e, portanto, fazer parte dele; e o outro é procurar no inferno, ou naquilo que nos parece inferno, aquilo que inferno não é, e fazê-lo viver, e dar-lhe espaço.
Eis, eu penso que vocês fazem isso, e que isso dá esperança à Igreja no Brasil e à Igreja em todo o mundo.
Paolo Ruffini
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