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A nova etapa da caminhada sinodal

9 abr. 2025
Dom Pedro Carlos Cipollini nasceu em 1952, na cidade de Caconde (SP). Formado em Filosofia, Pedagogia e Teologia, especializou-se em Teologia Dogmática e obteve o doutorado na Pontifícia Universidade Gregoriana, na Itália. Ordenado sacerdote em 1978, dedicou-se ao pastoreio e à formação pastoral.

Participante da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, Dom Pedro Carlos Cipollini, um dos cinco delegados eleitos pelos bispos do Brasil, destacou que a necessidade de mudança é um tema trasnversal no processo sinodal. Segundo ele, o caminho sinodal não pode ser apenas um debate ou um evento pontual, mas um chamado à conversão, uma ransformação profunda na vida da Igreja.

O Papar Francisco acolheu as conclusões do sínodo como parte do magistério pontifício e decidiu não escrever uma exortação pós-sinodal, optando por enviar diretamente à igreja o texto votado pelos participantes do Sínodo, ou seja, um documento considerado magisterial. O que esse gesto representa?

Vejo nesse gesto do Santo Padre uma forte expressão de sinodalidade. Ao acompanhar atentamente o desenvolvimento do Sínodo, tanto na primeira quanto na segunda sessão, ele demonstra confiança de que o Espírito Santo realmente falou por meio daquela assembleia. Essa decisão reforça a importância da escuta e do discernimento coletivo dentro da Igreja.

Após três anos de um caminho sinodal envolvendo milhões de pessoas e duas sessões do Sínodo, como o senhor interpreta o documento final como um todo?

Vejo no documento final um verdadeiro testemunho de uma Igreja comprometida com o Evangelho. Acompanhei de perto todo o trabalho, os momentos de oração e reflexão, e pude perceber a presença do Espírito Santo guiando esse caminho. O documento reflete o desejo de uma Igreja que, com humildade, reza, escuta e discerne aquilo que o Espírito quer para nós hoje.

Como o senhor enxerga a contribuição dos leigos e leigas na reflexão e no fortalecimento da sinodalidade na igreja?

Os leigos e leigas tiveram uma contribuição fundamental, crescendo na consciência de sua dignidade batismal. Percebo que essa compreensão tem se ampliado cada vez mais na Igreja. Cabe a nós, ministros ordenados e pastores, acolher essa realidade e incentivar para que os fiéis batizados assumam seus ministérios, carismas e seu papel essencial na vida da Igreja.

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Nós já temos algumas instâncias sinodais, mas de que forma essas pessoas poderiam ser ainda mais integradas no caminho sinodal?

A integração dos fiéis no caminho sinodal exige discernimento, algo amplamente abordado no Sínodo. O processo passa pela escuta atenta, pelo diálogo e pela participação ativa nas comunidades e nos serviços da Igreja. A sinodalidade se fortalece quando esses elementos são vividos na prática.

Ainda na fase da Escuta, nos momentos anteriores às assembleias sinodais propriamente ditas, houve a preocupação por parte de alguns padres de que a sinodalidade pudesse representar uma espécie de democracia e até a perda do que é próprio do ministério presbiteral. O senhor considera que há motivos para esse medo ou isso é um equívoco?

Se bem compreendida e vivida, a sinodalidade não representa nenhum perigo; pelo contrário, reflete a Igreja em sua autenticidade. A Igreja não é uma democracia, pois este é um sistema político, e a estrutura eclesial não se enquadra em modelos políticos. Curiosamente, em períodos em que predominou o autoritarismo, esse aspecto não foi questionado da mesma forma.

A Igreja é uma koinonia, uma comunhão de fiéis reunidos na fé, na esperança e na caridade, fundamentada no mistério da Trindade. Como afirma São Cipriano em De Catholicae Ecclesiae Unitate, citado na Lumen Gentium, a Igreja é o Povo de Deus reunido em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Muitas vezes, certas afirmações surgem por falta de estudo e conhecimento aprofundado.

Embora a Igreja utilize instrumentos democráticos, como votações em determinados processos, isso não a torna uma democracia. A autoridade eclesial não se baseia na eleição popular, mas no chamado divino. Como diz o Senhor: 'Eu vos darei pastores'. Os bispos e presbíteros são escolhidos por meio de consultas e discernimento, mas é Deus quem, através do Espírito Santo e das mediações da Igreja, designa seus pastores.

Podemos dizer que um dos maiores desafios da sinodalidade é o clericalismo?

Sem dúvida, há muitos desafios na sinodalidade, mas o clericalismo é um dos maiores. Ele se manifesta quando o clero se apropria da eclesialidade, reduzindo a Igreja à voz dos padres, bispos ou do Papa, como se apenas eles representassem sua totalidade. Muitas vezes, ao buscarmos orientação sobre um tema, perguntamos: 'O que a Igreja diz?', referindo-se apenas à hierarquia. Mas a verdade é que a Igreja somos todos nós.

Precisamos eliminar a ideia de que o Povo de Deus é apenas quem não é ordenado. O padre também é parte do Povo de Deus. Quando um presbítero acredita que só ele detém o conhecimento, ignora que os fiéis possuem o sensus fidei e que ele mesmo está a serviço do sacerdócio comum de todos os batizados.

Por isso, a formação nos seminários deve abordar essa questão com profundidade. Um padre que compreende a sinodalidade não apenas evita cair no clericalismo, mas também ajuda os fiéis a não desenvolverem essa mentalidade. Afinal, o clericalismo não prejudica apenas o povo, mas também o próprio clero.

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O senhor acredita que as resoluções do Sínodo serão bem recebidas pelos fiéis? Em quanto tempo essas mudanças serão assimiladas?

A Igreja tem um ritmo próprio de assimilação de mudanças, pois é um corpo orgânico, complexo e com mais de 2.000 anos de história. O próprio Concílio Vaticano II, que completou 60 anos, ainda não foi totalmente absorvido. Assim, as resoluções do Sínodo também serão incorporadas de forma gradual.

A sinodalidade, como proposta pelo Papa Francisco, não é apenas um projeto humano, mas uma obra do Espírito Santo. E tudo que vem do Espírito caminha adiante, ainda que lentamente. Jesus disse: 'Quem não está comigo, está contra mim', e creio que estar com a sinodalidade é estar com Cristo e seu Espírito, que sempre promove a inclusão, a comunhão e a unidade.

Não aceitar a sinodalidade é, de certo modo, rejeitar a ação do Espírito na Igreja de hoje. Como afirmou São Paulo VI na Evangelii Nuntiandi e reafirmou São João Paulo II na Novo Millennio Ineunte, 'O Vaticano II é o caminho da Igreja para o século XXI'. O Papa Francisco, dando continuidade a esse espírito conciliar, nos diz: 'A sinodalidade é o caminho que o Espírito indica para a Igreja hoje'.

 

Nova Etapa da Caminhada Sinodal: Um caminho de implementação e diálogo que levará à Assembleia Eclesial de 2028

A Igreja Católica entra em uma nova e decisiva fase de sua caminhada sinodal, iniciada em 2021, que se materializa por meio de um caminho de acompanhamento do Sínodo sobre Sinodalidade. Em um gesto que ressalta o espírito de renovação e escuta mútua, o Papa Francisco aprovou esse processo no último dia 11 de março, conforme anunciado pelo cardeal Mário Grech, secretário-geral da Secretaria do Sínodo. Esse novo percurso, que culminará em uma Assembleia Eclesial em 2028, promete transformar a maneira como as diretrizes sinodais serão implementadas nas comunidades ao redor do mundo.

Implementação do Documento Final

Após três anos de intensos debates, escutas e reflexões sobre o tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, a Assembleia Sínodal foi concluída em 2024. Segundo o Papa Francisco, o documento final dessa assembleia integra o Magistério ordinário da Igreja, devendo ser aceito e implementado por todas as Igrejas locais. Essa implementação não se dará de forma autoritária, mas através de um processo de discernimento e adaptação às realidades culturais e às necessidades específicas de cada comunidade.

Um Processo Vivo e Contextualizado

A proposta do caminho de acompanhamento enfatiza que a sinodalidade deve ser entendida como um processo dinâmico e participativo. Em vez de uma simples aplicação vertical de diretrizes, o objetivo é promover o diálogo e o intercâmbio entre as diversas realidades e culturas que compõem a Igreja. “O Sínodo não está concluído. Ele se inicia hoje, na fase de implementação, nas Igrejas locais”, afirmou o cardeal Grech em uma carta dirigida aos bispos, eparcas, além dos líderes das Igrejas Católicas Orientais.

O Papel das Equipes Sinodais

Um dos pilares desse processo é o envolvimento de todas as pessoas que contribuíram durante o Sínodo. Para isso, serão formadas equipes sinodais compostas por presbíteros, diáconos, consagrados e consagradas, além de leigos e leigas, sempre acompanhados pelo seu bispo. Essas equipes, que já vêm sendo trabalhadas, deverão ser valorizadas e, se necessário, renovadas ou reativadas, garantindo que o discernimento e a participação se estendam a todos os membros do Povo de Deus.

Contribuições dos Grupos de Trabalho e da Comissão de Direito Canônico

O processo de acompanhamento incorpora também os resultados dos Grupos de Estudo, criados em março de 2024, que têm a missão de examinar as questões levantadas durante a 16ª Assembleia Sinodal, realizada em 2023. Paralelamente, a Comissão de Direito Canônico, que opera em conjunto com o Dicastério para os Textos Legislativos desde 2023, vem contribuindo para ajustar e contextualizar as normas e diretrizes apresentadas no documento final.

Etapas e Cronograma do Novo Caminho Sinodal

O caminho de implementação está dividido em várias etapas. Em março, foi realizado o anúncio inicial do processo. Em maio, um documento detalhado será publicado, explicando os procedimentos e orientações para a adaptação do Sínodo às realidades locais. De 24 a 26 de outubro, o “Jubileu das equipes sinodais e dos organismos de participação” reunirá representantes das diversas comunidades para reafirmar o compromisso com uma Igreja cada vez mais sinodal.

Além disso, ao longo de 2027, serão realizadas assembleias de avaliação em nível de dioceses, eparquias e conferências episcopais nacionais e internacionais. Finalmente, os primeiros e segundos semestres de 2028 serão dedicados às Assembleias Continentais de Avaliação, culminando com a publicação do Instrumentum laboris da Assembleia Eclesial, prevista para outubro daquele ano.

Perspectivas para uma Igreja renovada

Essa nova etapa do caminho sinodal reflete a visão do Papa Francisco e a continuidade do espírito conciliar instaurado pelo Concílio Vaticano II. Ao enfatizar a necessidade de uma Igreja que ouve, discerne e se adapta, o processo busca fortalecer a comunhão, a participação e a missão de todos os fiéis. Essa abordagem inovadora não só promove a inclusão, mas também reafirma o compromisso de transformar as diretrizes sinodais em práticas concretas que respondam às demandas atuais de um mundo em constante mudança.

À medida que essa fase de implementação avança, a expectativa é que a Igreja se torne cada vez mais sinodal, viva e em diálogo permanente com o Povo de Deus, criando um ambiente de escuta e partilha que seja, verdadeiramente, a marca de uma Igreja renovada e comprometida com o Evangelho.

Dom Pedro Carlos Cipollini

Dom Pedro Carlos Cipollini nasceu em 1952, na cidade de Caconde (SP). Formado em Filosofia, Pedagogia e Teologia, especializou-se em Teologia Dogmática e obteve o doutorado na Pontifícia Universidade Gregoriana, na Itália. Ordenado sacerdote em 1978, dedicou-se ao pastoreio e à formação pastoral. Em 2010, foi nomeado bispo de Amparo pelo Papa Bento XVI, e em 2015, assumiu a Diocese de Santo André, onde segue em seu ministério episcopal. No âmbito da CNBB, presidiu a Comissão para a Doutrina da Fé e, em 2024, foi um dos representantes brasileiros na XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos.

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