Cardeal Leonardo Steiner fala sobre desafios e esperanças da Igreja na Amazônia
7 out. 2025

Cardeal Leonardo Ulrich Steiner
Em entrevista exclusiva, o Arcebispo de Manaus e primeiro cardeal da região aborda a missão da Igreja sinodal, a importância do Sínodo da Amazônia, os cuidados com o meio ambiente e a solidariedade com os povos amazônicos, refletindo sobre a vivência pastoral em meio a realidades desafiadoras e inspiradoras.
1 - O senhor nasceu em Santa Catarina, foi bispo da Prelazia de São Félix e hoje é Arcebispo de Manaus. Como essas diferentes realidades marcaram sua caminhada e sua visão de Igreja?
A experiência em São Félix foi determinante. A prelazia está situada no cerrado, mas já se abre para a Amazônia. Ali encontrei uma realidade de devastação, grilagem de terras e presença indígena muito significativa. Como sucessor de Dom Pedro Casaldáliga, aproximei-me ainda mais dessas questões e percebi a urgência de uma Igreja que caminhasse ao lado dos povos. Desde pequeno, em minha família, já havia uma ligação com a natureza, mas em São Félix amadureci a percepção do valor da ecologia integral, como depois viria a ensinar o Papa Francisco.
Em Manaus, a realidade é outra: de pequenas comunidades rurais, passei para uma metrópole com mais de 2,3 milhões de habitantes, cercada por grandes periferias, movimentos de ocupação, comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas. Só na cidade, vivem mais de 175 mil indígenas, além de mais de 20 mil venezuelanos que migraram para cá. Essa diversidade exige da Igreja um acompanhamento constante, seja pastoral, social ou espiritual.
Ao mesmo tempo, enfrentamos pressões muito fortes sobre a Amazônia: garimpo, desmatamento, pesca predatória e outros interesses econômicos externos que ameaçam a vida da região. Mas também encontramos um povo muito religioso, acolhedor e cheio de fé. A Igreja no Regional Norte 1 da CNBB tem procurado refletir e rezar sobre esses desafios à luz do Evangelho e das orientações do saudoso Papa Francisco. É uma caminhada marcada por tensões e dificuldades, mas sustentada pela esperança.
2 - O senhor participou de muito perto do Sínodo da Amazônia. Quais frutos concretos esse Sínodo deixou para a Igreja no Brasil e especialmente para a Amazônia?
O Sínodo da Amazônia veio confirmar a caminhada que a Igreja da região já vinha realizando. Antes mesmo de se falar tanto em sinodalidade, nossas comunidades já buscavam ser sinodais, com a participação efetiva de todas as vocações e ministérios, sempre atentas às questões sociais, ao cuidado com os pobres e à vida concreta das pessoas. Esse caminho tem raízes profundas, especialmente desde o Encontro de Santarém, em 1972, que resultou no Documento de Santarém.
Outro fruto essencial foi a ênfase na inculturação. O Sínodo nos fez compreender, com ainda mais clareza, a necessidade de valorizar a diversidade cultural da Amazônia. Muitas vezes se pensa nos povos indígenas como uma realidade única, mas há múltiplas culturas, cada uma com sua língua, modo de viver, organização própria e espiritualidade. Muitos desses povos já participam da vida da Igreja, mas é urgente avançarmos na inculturação da liturgia, da espiritualidade e dos ministérios.
Nas comunidades indígenas, por exemplo, o catequista tem um papel central: ele é quem anima, organiza e conduz a vida da comunidade, sem as estruturas complexas que vemos nas paróquias urbanas. Isso mostra que precisamos aprender com eles e dialogar sempre. Há experiências inspiradoras, como a de um missionário salesiano em São Félix que conseguiu inculturar a fé junto ao povo Xavante. Esse é um caminho que o Sínodo nos incentiva a seguir.
Na Arquidiocese de Manaus, temos procurado assumir esse desafio criando áreas missionárias e buscando escutar mais de perto as comunidades, para que a fé seja vivida de forma mais encarnada e próxima da realidade.
3 - O saudoso Papa Francisco insistiu muito na importância de uma Igreja em saída e sinodal. Como a Igreja da Amazônia vive esse chamado?
Uma Igreja sinodal significa caminhar juntos, e é isso que temos buscado viver na Amazônia. Nas assembleias da Arquidiocese de Manaus e também nas demais dioceses do nosso regional, procuramos preparar tudo com antecedência, ouvindo as comunidades. Só na Arquidiocese são mais de mil comunidades, e fazemos um esforço para escutá-las, trazendo as contribuições para que, nos encontros maiores, possamos discernir os caminhos a seguir. Essa escuta é uma expressão concreta da sinodalidade.
Mas a sinodalidade aqui também se manifesta fortemente no espírito missionário. Existe uma verdadeira disponibilidade para sair ao encontro. Quando acontece, por exemplo, uma invasão em determinada área, as comunidades vizinhas se organizam para estar presentes, celebrar com os católicos e acolher a todos. Esse dinamismo mostra que, de fato, sinodalidade e missão caminham juntas.
Foi também essa a grande intuição do Sínodo da Sinodalidade, quando a segunda sessão destacou justamente a relação entre sinodalidade e missão. Aqui na Amazônia, procuramos viver essa harmonia, mesmo sabendo que é preciso retomar e aprofundar sempre, para que os novos membros das comunidades também percebam que a missão e a sinodalidade são inseparáveis.
4 - A Igreja da Amazônia convive com realidades duras: migração, violência, mineração, tráfico de drogas. Como a pastoral tem respondido a esses desafios?
Esses desafios refletem as dificuldades da sociedade como um todo, e muitas vezes percebemos pouco interesse por parte do Estado, em nível estadual ou municipal, em enfrentar essas questões de forma efetiva. Por isso, a Igreja assume um papel importante de alerta e acompanhamento.
Nas assembleias e encontros das comunidades, procuramos discutir essas situações, refletir sobre elas e levar a consciência desses desafios para o dia a dia das pastorais. Por exemplo, adaptamos a Novena de Natal para incluir reflexões sobre a realidade local, garantindo que essas questões não sejam esquecidas.
Essa ação da Igreja exige uma mudança de compreensão, de sentido e de relacionamento com a realidade social, um processo que, muitas vezes, se constrói ao longo de gerações, mas que é essencial para a presença transformadora da pastoral na Amazônia.
5 - O senhor é o primeiro cardeal da Amazônia. Como recebeu esse gesto de confiança do Papa Francisco e o que ele significa para a região?
Receber esse título foi uma grande surpresa, especialmente por estar na Amazônia. Sinto que é também uma expressão do carinho e da atenção que o Papa Francisco sempre teve por esta região, perguntando frequentemente sobre a Amazônia e demonstrando preocupação com suas realidades e desafios.
Mais do que um título, percebo que é um gesto de confiança que traz responsabilidade. Significa permanecer fiel a essa missão: não deixar de falar, refletir e alertar sobre as questões da região. Trata-se de um compromisso de servir e acompanhar a Amazônia com dedicação, sempre guiado pelo cuidado e pelo amor que o Papa demonstrou.
6 - Nós estamos realizando este Muticom, esse encontro de comunicação. Como o senhor percebe que os comunicadores de todo o Brasil podem colaborar, tanto para a Ecologia Integral quanto para um olhar mais voltado à Amazônia?
Toda comunicação deve visar o bem e revelar a bondade. Mais do que transmitir mensagens, somos comunicação: participamos da comunicação do amor de Deus e somos expressão desse amor em todas as criaturas, como nos inspiram São Francisco e São Boaventura.
Nesse sentido, os comunicadores têm a missão de levar a Boa Nova, a mensagem de esperança, transformação e do Reino de Deus. Se vivermos isso com fidelidade, caminharemos sempre na esperança, mesmo diante das dificuldades, rumo ao Reino definitivo.
O 14º Muticom é uma oportunidade preciosa para aprofundar esses temas. Nem todos serão despertados de imediato, mas cada grupo que despertar se tornará um agente do anúncio do amor, da esperança e da vida nova que o Evangelho nos oferece.
7 - Que mensagem o senhor gostaria de deixar para os jovens, especialmente os que vêm de fora da Amazônia, sobre o cuidado com a Casa Comum e a solidariedade com os povos amazônicos?
Primeiro, quero dizer aos jovens que eles são Igreja. Frequentemente ouvimos que o jovem é o futuro da Igreja, mas não: ele é Igreja, ele participa ativamente da missão de Cristo. A vida é extraordinária, sobretudo quando vivida ao modo de Jesus, no serviço aos irmãos, no cuidado com os pobres, como nos ensinou São Vicente de Paulo: atender ao necessitado é, muitas vezes, a melhor oração que podemos oferecer a Deus.
A vida precisa ser vivida plenamente, como uma árvore frondosa, aberta ao mundo. A Amazônia não está separada do resto do Brasil, e o Brasil não está separado do mundo. Cuidar de cada parte da criação é cuidar do todo. O horizonte da solidariedade e do cuidado ambiental deve ser amplo: proteger a árvore da minha rua é também proteger a Amazônia e todo o planeta. Quando a juventude percebe esse todo, compreende que sua ação faz diferença e contribui para a preservação da vida e da criação, fortalecendo a solidariedade com os povos amazônicos.

Cardeal Leonardo Ulrich Steiner
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